Croqui de maquiagem desenhado por mim.
Há muito tempo estou devendo a várias leitoras contar como migrei da área acadêmica para a da maquiagem, e resolvi contar, resumidamente, como foi esse processo. Bem, para quem não sabe, eu sou graduada em Ciências Sociais e tenho mestrado em Sociologia e Antropologia. Durante muitos anos, praticamente uma década, fui professora universitária, mas tomei a decisão profissional mais difícil da minha vida e mudei radicalmente de área.
De onde veio essa mudança? Falando assim, as pessoas podem achar que veio do nada. Eu mesma levei um tempo para perceber que não se tratou de um acaso, de uma transformação abrupta dos meus gostos, desejos e projetos. Revendo minha história, percebi que a alteração da minha trajetória foi, na verdade, não um novo caminho, mas a retomada, o reencontro comigo mesma.
A intenção deste post não é fazer uma versão poética da minha vida, mas dividir com vocês algo que aconteceu comigo e que é, com certeza, um processo humano, mais do que meu. Para vocês entenderam, vou fazer um resumo da minha vida no que diz respeito à vida profissional e ao que sonhei, desde criança, em ser.
Desde que me entendo por gente, eu amo arte, de todos os tipos. Na minha casa, sempre houve muita música e o que eu mais gostava de fazer era desenhar. Meu presente de Natal preferido era uma caixa enorme de lápis de cor e muito papel. Eu desenhava "modelitos" (pensem em anos 80) e montava "revistas femininas" com eles.
A partir de uma boneca que era, ao mesmo tempo, Chapeuzinho Vermelho, Lobo Mau e Vovó (do outro lado da saia e da touca), inventei uma personagem que se chamava Step. Ela era uma loba, modelo internacional, e era sempre a estrela das minhas "revistas". Eu também desenhava bonecas de papel e suas roupas, além das minhas personagens favoritas, como Jessica Rabbit e Garfield. Queria ser desenhista.
Cresci desenhando e pintando razoavelmente bem para a idade, mas sem técnica nenhuma. Apesar de minha mãe ser artista plástica e me ensinar vários conceitos, como o de perspectiva, não tive uma educação formal nas técnicas da arte. Me lembro de estar em Cabo Frio ou em Búzios, quando criança, na praia com a minha mãe desenhando os barquinhos que estavam ancorados próximo da praia, barquinhos de pescadores. Ela me ensinava que de acordo com o ponto de vista, a visão do barco mudava, me ensinava a colocar profundidade no desenho.
Tive vários momentos gostosos da minha vida ligados ao desenho, à arte, às cores. Pintava telas, desenhava, esculpia em argila, pintava e lixava madeira, fazia enfeites de Natal e vestidos para as bonecas. Não tive paciência para o bordado e para o tricô, fiz muito artesanato. Li muitos livros de arte, vi muitos filmes interessantes e inteligentes e já gostava de Ella Fitzgerald aos quinze anos. Não quero dizer com isso que sou superior e blablablá whiskas sachê, apenas que vivia num ambiente que propiciava um contato com todas as formas de arte e que possibilitava esse gosto musical tão peculiar e "maduro"para uma adolescente.
Nesta mesma época, meu irmão do meio tocava violoncelo e nas férias era comum a família (no caso, eu, minha mãe, meus irmãos e muitos amigos queridos) fazer pinturas nas paredes da casa pela madrugada, sob a luz azul dos holofotes da piscina (rs). As festas eram muito boas e íntimas, de verdadeiros amigos, de muita alegria e papos interessantes. Nada disso foi vivido de maneira pretensiosa, mas de forma natural.
Nesta idade, já dançava há anos ballet clássico e queria ser a melhor bailarina do mundo. Cultivei a paixão pela dança (e ainda amo tanto), dançava muito, lia todos os livros que encontrava e via todos os filmes e espetáculos que pudia. Pedia livros sobre ballet, sapatilhas e vídeos. Os livros era importados e caros, às vezes franceses, americanos, ingleses ou russos. Passava horas vendo esses livros, mesmo quando não entendia nada de seus textos, os filmes, admirando as bailarinas russas e sonhando. E muitas horas ensaiando.
Resolvi fazer faculdade, mesmo querendo ser bailarina, para "garantir" minha sobrevivência no futuro, já que vida de bailarina no Brasil não é fácil. Sem querer fui me envolvendo muito com o curso de ciências sociais, com o mundo acadêmico, com pesquisa e então, aos 18 ou 19 anos parei de dançar. Com 21 anos, estava fazendo mestrado e logo em seguida dei minhas primeiras aulas. Dei aula de Sociologia e de Antropologia em cursos como Direito, Contabilidade, Administração, Turismo, Serviço Social, Comércio Exterior, Medicina, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Enfermagem, Psicologia, Ciências Biológicas, Farmácia e Nutrição. Talvez tenha me esquecido de algum. Foram longos anos como professora.
Assim como em relação à dança, comecei a sentir que deveria seguir adiante. Uma proposta não realizada de mudança de cidade me motivou a pedir demissão da faculdade onde trabalhava, mas no fundo eu já me preparava para deixar a profissão. Estava entediada de dar sempre as mesmas disciplinas, de criar formas de falar a mesma coisa mil vezes, muitas vezes para pessoas desinteressadas, muitas outras para pessoas fantásticas e comprometidas, que adoravam aprender. Esses momentos de construção coletiva do conhecimento na sala de aula eram muito bons, mas a rotina era maçante.
Provas a elaborar, a corrigir, trabalhos para ler, aulas para preparar, reuniões, leituras infinitas e quase nada de vida social. Pesquisa eu também não fazia mais, pois meu interesse pela vida acadêmica e sua tradicional soberba, seu tradicional machismo, sua competição desleal, seus jogos políticos, seus discursos de belos conceitos vazios e cheios de hipocrisia era cada vez menor.
Pessoas falavam em cidadania nas aulas e eram incapazes de manter o espaço de convivência e de trabalho da faculdade limpo. Praticamente não havia alma que jogasse no devido lugar sua guimba de cigarro e seu copo de café. Isto já me impressionava na graduação - a cantina da Fafich, os banheiros, era tudo bem sujo.
Enfim, os problemas dos últimos anos de docência eram diferentes dos do tempo de graduação. Contudo, nos dois momentos eu sentia tédio, apesar de amar ler, dar aula e estudar. Eu simplesmente não estava feliz e não vibrava mais. A maquiagem ganhou nova dimensão na minha vida como uma alternativa, já que desde a infância ela fazia parte da minha vida. Minha mãe se maquiava lindamente, num ritual, todos os dias. Eu observava e brincava com seus produtos antigos, que ganhava, e quando adolescente começava a me maquiar, hábito que nunca deixei de ter.
Tentei por muito tempo uma vaga no curso de Maquiador do SENAC de BH, que é concorridíssimo e, quando consegui (uma vaga que foi reaberta por desistência, minutos antes do meu contato), resolvi conciliar as aulas como na faculdade e as do curso de capacitação. Passava 14 hs entre as duas e ainda tive que me mudar de casa durante o curso no seu momento final, com portfolio e outros trabalhos a fazer, levando modelos todos os dias, corrigindo pilhas de provas... foi um sufoco que durou dois meses, mas valeu muito a pena.
Aos poucos fui pegando trabalhos diferentes, me familiarizando com a profissão, desenvolvendo a técnica que aprendi no curso. Me tornei maquiadora, autônoma, e voltei a ser professora. Ou melhor, instrutora do mesmo curso de Maquiador que me formou. Continuo trabalhando com minha clientela, dando meus cursos particulares, escrevendo o blog, mas agora também ensinando essa profissão e esse ofício maravilhosos, no qual, mais uma vez, estou envolvida por inteiro.
Fui bastante questionada e criticada por querer trocar uma profissão estabelecida por outra, pela incerteza, mas me firmei até conseguir mudar o que eu queria, tomar as rédeas da minha vida. Estou construindo uma nova carreira, aprendendo cada vez mais coisas interessantes - e como tem coisa para aprender! É só começo, mas já é o suficiente para dizer que estou feliz, à vontade de novo entre pincéis, cores, arte, estudo. Só que a nova tela ou o novo papel para minhas cores é o rosto humano.
Minha vida é outra hoje, sou muito diferente do que já fui e, ao mesmo tempo, sou a mesma em alguns aspectos. Estou no processo da vida, buscando a felicidade, como todo mundo. Faço o melhor que posso e me sinto uma aprendiz. Estou investindo, trabalhando e estudando muito e, apor isso, às vezes dou uma sumida daqui do blog.
Está aí minha pequena história de mudança profissional que mostra que no meu caso nada foi por acaso, foi fruto de uma trajetória, da influência da minha família, da minha mãe, e até do meu pai, que mesmo sendo uma pessoa mais prática, adora trabalhos manuais. Tudo que fiz, aprendi e vivi foi importante para o que sou e faço agora.
O objetivo deste post é contar para tantas pessoas que me pediram como me tornei maquiadora. Apresentei o lado subjetivo da experiência, pois acredito que ele é mais importante que os aspectos objetivos e práticos, que são basicamente os mesmos que todos que resolvem mudar de profissão vivenciam: mudança inicial de renda, de rotina, ter que conquistar novamente um espaço no mercado de trabalho partindo do zero, da total incerteza, conviver com falta de grana, estudar de novo, a readaptação de toda a vida. Estou colhendo bons frutos e pretendo colher muito mais.
Pretendo mostrar que um blog não conta tudo. Quando falo de produtos caros (ou baratos), do universo da maquiagem, que muita gente diz que é fútil, posso passar por uma "blogueira consumista e alienada". Quem me conhece sabe que não sou isso. Tenho uma história (que, claro, tem tantos outros aspectos) que faz sentido, que tem um significado para mim e que é minha. Não sou blogueira profissional, sou uma maquiadora e uma pessoa multi-dimensional como você. E sou alguém que acredita nos recomeços, na vontade, e na beleza. Consumo por necessidade profissional hoje, por pesquisa, e também por paixão.
Durante toda a história humana, a beleza foi alvo de reflexão, de admiração, de obsessão e mesmo de rejeição. Para mim, sempre foi um imperativo criar e expressar beleza em cores e formas. Na época de faculdade e de professora universitária, continuei desenhando (pouco) e comecei a fazer origami, quilling, scarpbooking e vários outros trabalhos manuais que me permitissem dar vazão ao meu desejo de criar com as mãos.
Sabe aquele papo de "ouça seu coração"? É clichê, mas é verdade. Foi isso que eu fiz. E para isso contei com a ajuda e o apoio de várias pessoas também. Dos modelitos da infância passei aos croquis de hoje, dos pincéis, das tintas e dos lápis de cor (que continuo usando), passei para pincéis mais macios e para os cosméticos, pós mágicos que despertam o interesse de mulheres e homens há milhares de anos. Sou muito feliz porque hoje me sinto eu mesma e porque sei que meu trabalho também ajuda muitas mulheres a fazerem as pazes com a própria imagem, a expressarem na aparência o que elas são por dentro, a sua personalidade e a sua identidade. Me sinto no lugar certo, na hora certa, pelo motivo certo.
Espero ter sanado a curiosidade de vocês e que minha história tenha sido, de alguma forma, interessante para vocês!